Trecho do quadro: Paisagem Extensa com Vista para o Castelo de Mariemont, por J. Brueghel, o Velho, ca. 1609-1612. Virginia Museum of Fine Arts, Richmond.
A família Brueghel (ou Bruegel) foi composta por alguns dos mais famosos pintores flamengos. Neste texto, as obras exibidas são de Jan Brueghel, o Velho (Bruxelas, 1568 – Antuérpia 1625).
Pierluigi Selvelli e Paolo Molaro são dois pesquisadores do INAF-Osservatorio Astronomico di Trieste, e são os autores de um magnífico trabalho que liga algumas obras de J. Brueghel com a Astronomia.
Pela época em que J. Brueghel viveu, já podemos perceber que ele passou por um dos períodos mais efervescentes da história ocidental. Foi contemporâneo de Galileu, Kepler, Maurício de Nassau e as Companhias das Índias Orientais (a mais rica) e Ocidentais (que esteve ligada ao comércio entre a colônia portuguesa na América e a Europa).
Além disso, com a prosperidade holandesa, surgiu a luneta. E, como a arte sempre acompanha os avanços científicos, as novas tecnologias e o pensamento de sua época, ela também deu o ar da graça neste período.
Como podemos ver nos três trechos de pinturas de J. Brueghel, o Velho, a luneta é bastante recorrente. E isso suscitou curiosidade por parte dos italianos acima citados. Que lunetas são essas? Quem as construiu? Isto sabendo que a própria invenção da luneta é indicada como fato ocorrido por volta de 1600 d. C. (e as pinturas englobam um curto período entre 1609 e 1618 d. C.).
Já que não havia fotografias naquela época, as pinturas são os melhores registros visuais. E algumas pinturas, da mais alta qualidade e retratando algumas lunetas, bem pouco tempo após sua invenção, não podem passar despercebidas.
As pinturas foram feitas enquanto ele era pintor na corte do arquiduque Alberto VII dos Habsburgos, governador espanhol da parte católica da Holanda. É o próprio arquiduque Alberto VII quem olha pela luneta na figura logo acima, retirada de um quadro maior. Comparando com objetos na pintura, os autores estimam que a luneta tenha entre 40 e 45 cm de comprimento e cerca de 5 cm de diâmetro.
Até onde se sabe, esta pintura nos dá a mais antiga representação artística de uma luneta. Mesmo sabendo que a motivação original da pintura não tenha sido esta.
O interessante é que documentos mostram que Daniello Antonini, que trabalhava na corte do arquiduque, escrevera ao próprio Galileu avisando que Alberto VII obteve alguns exemplares da luneta do “primeiro inventor”, mesmo que de qualidade inferior que as de Galileu. E o “tubo” que aparece na figura é, muito provavelmente, uma destas peças citadas por Antonini.
Quanto à paternidade das lunetas (expressas no termo “primeiro inventor”), tanto pode ser de Zacharias Janssen como de Hans Lippershey, ambos considerados os pais da luneta.
Os autores apontam indícios de que Zacharias Janssen construiu algumas lunetas, que mediam por volta de 40 cm, e deu alguns exemplares ao arquiduque e ao príncipe Maurício de Nassau (aquele mesmo que governou o Brasil holandês, onde hoje situam-se os estados de Alagoas, Pernambuco, Paraíba, Rio Grande do Norte alcançando o Ceará).
Informação extra: “Os holandeses invadiram o Nordeste brasileiro, basicamente, porque tinham um bom comércio com os portugueses, transportando matérias-prima do Brasil à Europa, ao mesmo tempo em que não eram reconhecidos como Estado-livre pela Espanha. Com a morte do rei Sebastião de Portugal (morto na batalha de Alcácer-Quibir), que não deixou herdeiros, assumiu o trono português, devido a complexas linhagens familiares, o rei da Espanha Felipe II, para desgosto dos holandeses que viram seus negócios com as colônias portuguesas descerem pelo ralo. A solução encontrada: atacar!.”
Este período, em que Portugal (e, portanto, o Brasil) pertenceu à Espanha, é conhecido como União Ibérica (1580-1640 d. C.). Então, na verdade, a expulsão dos holandeses do território brasileiro foi para proteger terras espanholas, apesar de certa autonomia dada aos portugueses e suas colônias concedidas pelos espanhóis.
De volta às pinturas! Por outro lado, os autores encontraram evidências de que Antonius Maria Schyrley de Rheita, o marquês Ambrogio Spinola (Comandante do Exército Espanhol em Flandres), comprou uma luneta, provavelmente construída por Lippershey (ao chocar locais e datas em comum), e a ofereceu ao arquiduque Alberto VII, deixando a dúvida quanto ao fabricante da luneta.
Na segunda figura, vemos uma parte do quadro “Alegoria da Visão”, feito com colaboração com Peter Paul Rubens. Nela vemos duas lunetas, uma logo em primeiro plano entre a Vênus e o cupido, e uma segunda atrás do cupido e junto ao seu pé. Com um certo esforço, pode-se perceber que há um pequeno macaco pegando um tubo jogado no chão. Alguns argumentam que o macaco segura, na verdade, um microscópio, uma vez que há correspondências que alegam que o arquiduque, também, recebera um microscópio de Janssen. Os autores creditam esse tubo a um modelo mais primitivo de luneta holandesa.
Na pintura também há vários outros instrumentos astronômicos, tais como um grande astrolábio, uma esfera armilar, um globo com pedestal, um compasso, mapas divididos e relógios solares. Os autores reforçam que, tudo isto vêm testemunhar o interesse do arquiduque por ciência, e Astronomia em particular, e que cada instrumento foi caracterizado de forma meticulosa com a verdadeira habilidade flamenga. Até os mais diminutos detalhes foram reproduzidos de forma precisa.
Na terceira figura, do quadro “A Alegoria da Visão e o Olfato”, vemos um telescópio em detalhe (a obra inteira é bem maior). O telescópio é no mesmo estilo do representado na segunda figura, sendo que o da segunda figura é composto por sete tubos, enquanto que o da terceira figura é composto por oito tubos. Os tamanhos estimados dos telescópios são de cerca de 170 cm. E os diâmetros dos tubos que compõem os telescópios são estimados entre 2,5 e 7,5 cm (dos mais finos, junto à ocular, aos mais grossos, junto à objetiva). As similaridades são apontadas como sendo devidas ao mesmo fabricante.
Trecho do quadro: A Alegoria da Visão, por J. Bruegel e P.P. Rubens, 1617. Madrid, Museo Nacional del Prado.
Trecho do quadro: A Alegoria para a Visão e o Olfato, por J. Bruegel et al., ca. 1618. Madrid, Museo Nacional del Prado.
O trabalho dos italianos pode ser acessado aqui!