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Dieta Estelar

maio 25, 2009

Imagine só a situação: Um belo dia, dois camaradas chamados Heinrich Vogt e Henry Norris Russell chegam para você e lhe perguntam seu peso (a rigor seria a massa, mas continuemos assim). Você, extremamente interessado no que eles tem a lhe falar, prontamente diz o número que viu na balança do seu banheiro algumas horas antes. Sem levar em conta pequenos desvios (que podem se tornar grandes dependendo do tamanho do seu almoço), esses camaradas conseguem, depois de algumas contas, te dizer como será todo o resto de sua vida, inclusive a data e causas de sua morte.

A vida seria muito chata se realmente fosse assim. MAS, em astronomia, existe um ente que segue aproximadamente essa história: as estrelas. Segundo o Teorema de Vogt-Russell: Todos os parâmetros de uma estrela (sua luminosidade, tamanho, raio e temperatura) são determinados primeiramente pela massa. A ênfase em aproximadamente e primeiramente deve-se ao fato que o Teorema só é válido durante uma fase especial da vida das estrelas chamada de sequência principal, onde elas queimam hidrogênio em hélio em seus interiores. A rigor, também deve ser levada em conta a composição química inicial da estrela.

evolution

A figura acima (para uma versão mais caprichada e com explicações em inglês clique aqui) mostra um diagrama esquemático da evolução temporal de estrelas que vão desde (aproximadamente) 1/10 até 100 vezes a massa do nosso Sol (para quem estava se perguntando, a massa do nosso querido Sol é 2×1030kg, ou 2.000.000.000.000.000.000.000.000.000.000kg, para quem não está acostumado com a notação científica). Para comparação, a evolução do nosso Sol é mostrada na terceira linha horizontal, contando de baixo para cima.

O que está representado na figura nada mais é do que um processo cíclico. As estrelas nascem a partir de nuvens de gás e, após sua evolução, a maioria delas contribui para o enriquecimento de outras nuvens de gás, que darão origem à próxima geração estelar. A maior diferença mostrada na figura são as escalas de tempo envolvidas na evolução das estrelas, bem como o final da vida de cada uma. Quanto maior a massa da estrela, maior será a temperatura atingida em seu centro. Consequentemente, as reações nucleares ocorrerão em escalas de tempo menores e a estrela evoluirá mais rápido, “morrendo” antes das outras. Ou seja, enquanto uma estrela leve pode viver bilhões de anos, outra estrela mais pesada evolui rapidamente em alguns milhões de anos (Será que o fato do nosso Sol estar “calmo” já há alguns bilhões de anos tem alguma relação com o fato da vida ter surgido na Terra? Alguém da equipe se habilita a escrever sobre isso?). Outro ponto importante na figura são as cores dos objetos. Os de cor azul são mais quentes que os de cor vermelha. A evolução estelar geralmente é descrita para três intervalos de massa:

Massas baixas – Para as estrelas das duas primeiras linhas da figura, a vida não tem nada de emocionante. Sua temperatura superficial está em torno de 4000o Celcius (lembre que o pernil de natal no forno convencional está a uns 300oC). Algumas delas nem conseguem iniciar as reações nucleares em seus interiores e se tornam anãs marrons. Algumas um pouquinho mais pesadas ainda conseguem fazer alguma coisa da vida e terminam como anãs brancas. Estas porém não contribuem para o enriquecimento químico do meio onde vivem. Já para o Sol (em temperatura superficial de 5775oC) a situação é (um pouco) melhor: ele vai passar uns tantos bilhões de anos convertendo Hidrogênio em Hélio em seu núcleo. Quando o combustível se esgotar e ele entrar em crise existencial, depois de algum tempo ele torna uma gigante vermelha. Passado algum tempo, o Sol ficará preocupadíssimo com seu peso, e tornar-se-á uma Nebulosa Planetária (nesse ponto a Terra já virou história). Após livrar-se calmamente de seu excesso de peso (que enriquecerá o meio onde ele está), nosso querido Sol envelhece e se aposenta como uma anã branca de carbono. E se, por ventura, parasse para conversar com uma estrela mais jovem e disposta, provavelmente teríamos algo como uma Supernova tipo Ia.

Massas intermediárias – Para os fãs de ação a coisa começa a melhorar. Nesses casos (digamos linhas 4 e 5 da figura), o centro da estrela é tão quente que a queima de hidrogênio é muito mais eficiente e rápida, utilizando elementos como carbono, nitrogênio e oxigênio como catalisadores. Após passar por instabilidades gravitacionais e outras fases de queima de elementos químicos, tanto em seu núcleo quanto em camadas mais externas, a estrela chega em um nível de stress que nem ela própria se aguenta mais. Eis que surge a Supernova de tipo II. É um evento muito, mais muito energético mesmo. A energia liberada é tanta que todos os elementos químicos da tabela periódica são produzidos. O núcleo da estrela colapsa e ejeta material com velocidades da ordem de dezenas de milhares de km por segundo (bem mais rápido que os 120 km por hora permitidos em algumas rodovias).É um dos eventos que mais contribui para o enriquecimento químico no Universo. Depois de tanta força só poderia sobrar mesmo uma estrela de nêutrons (para estrelas que nascem com 6-10 vezes a massa do Sol) ou um buraco negro (objetos com mais de 10 vezes a massa do Sol). As estrelas de nêutrons recém formadas podem atingir temperaturas de até 100.000.000.000oC em seus centros.

Massas altas – Reflexões de uma mãe de estrela muito massiva: “Essas crianças crescem tão rápido! Só uns milhões de anos e já estão aí, enriquecendo o meio com seu conteúdo!”. Aqui é que a situação fica séria. Algumas estrelas ainda explodem como Supernovas tipo II e se tornam buracos negros. Mas algumas são tão grandes e pesadas que nem isso mais elas conseguem. Viram direto um buraco negro. Lembrando que um buraco negro é um ente muito pesado e denso. Sendo assim, a atração gravitacional perto dele é tanta que nem a luz consegue escapar. Quer saber o que é, realmente, um Buraco Negro?? Existem muitas especulações sobre a massa limite de uma estrela. Esse número (que pode chegar até 100 vezes a massa do Sol em alguns modelos) é assunto de debate, e depende de inúmeras variáveis. Em um dos próximos posts sobre populações estelares tentarei escrever um pouco mais a respeito.

Analogia da Semana – Árvore

maio 15, 2009

Dia desses eu estava pensando no papel dos cientistas na sociedade ou, sendo um pouco mais específico, como o trabalho imerso em um contexto cada vez mais particular pode contribuir com a sociedade como um todo. Me surgiu uma analogia (no meu ponto de vista) interessante sobre o papel da divulgação científica na comunidade.

Quando se trata de pesquisa em ciência de base (aquela sem aplicação imediata), é uma eterna luta entre “o que você sabe” e o “quanto você sabe sobre isto” (existem formas engraçadas de abordar a questão). O sujeito que se torna cada vez mais específico (aquele que entende mais de menos) quebra as barreiras do conhecimento pouco a pouco, levando a pesquisa às fronteiras do conhecimento. Entretanto, é preciso um “universalista” (aquele que entende menos de mais) para agregar o sem número de pequenos fragmentos e construir uma nova realidade menos abstrata e mais palpável aos olhos de um público mais amplo. Bom, de fato nada impede que ambos sejam a mesma pessoa, mas isso tem se tornado cada vez mais raro.

Pense em uma grande árvore, onde cada pequeno ramo representa uma parte deste conhecimento cada vez mais específico. Cada ramo pensa ser autosuficiente na produção de seu fruto, e deposita todo o seu empenho nessa tarefa. Todo o trabalho gira em torno da formação de um fruto que tenha atrativos para ser consumido e que tenha sua utilidade. A única consciência que o ramo possui do todo (galhos, caule, xilema, floema e raízes) é que este lhe fornece o suporte necessário para realizar suas atividades, ou seja, constrói toda a base para o crescimento do ramo e do fruto que ele gera.

Vendo essa grande árvore de cima,  é possível contemplar toda sua beleza. É nessa escala que se percebe como cada galho, ramo e frutos, trabalhando individualmente, contribuem para o conjunto. Porém, se não houver um meio de colheita para levar o fruto até quem (ou o que) o consome, ele definha ali mesmo e todo o esforço colocado em seu desenvolvimento é desperdiçado. Pense nesse meio de colheita como sendo animais, pássaros, agricultores, o vento ou o que quer que seja. O importante é que, sem esses agentes de disseminação, a função principal do fruto não é cumprida. Indo um pouco mais longe: A chance de um fruto ser bem sucedido está ligada também à sua apresentação perante àqueles que eventualmente irão consumi-lo. Claro que se um fruto cai no chão, também existe uma chance de sucesso, mas provavelmente o seu período “ótimo” de consumo será desperdiçado. Ou seja, seu destino é ditado pelo acaso.

De que vale uma dissertação de mestrado ou uma tese de doutorado, que levam muitos anos de trabalho árduo para serem concluídas, encostadas em uma prateleira de biblioteca, sem que ninguém as veja? Na maioria das vezes, elas não são utilizadas simplesmente porque ninguém sabe que elas estão lá. A única chance de divulgação é o “acaso” de que alguém, passando os olhos pela prateleira, as escolha.

Se não existir fusão e difusão do conhecimento em suas mais diversas escalas, a pesquisa se torna cada vez mais uma questão de satisfação pessoal e, quando muito, de interesse restrito a uma pequena fração da comunidade. É importante divulgar, disseminar, fazer com que o fruto do seu trabalho seja utilizado da melhor forma possível e pelo maior número de pessoas. E, além disso, sempre ter em mente qual é a árvore que te fornece suporte.

No fim das contas, eu vejo a ciência como uma árvore: olhando de perto você percebe cada detalhe e nuance envolvidos em sua formação; olhando de longe você percebe a integração das partes e a beleza do todo.

Crônica de um Carbono ancião

maio 12, 2009

carbonPode não acreditar, mas bem me lembro do ambiente em que nasci, há bilhões de anos. Era um empurra-empurra danado. Naquela ocasião, quando me dei conta de que era um átomo de Carbono, vi vários primos nascerem das trombadas de núcleos de Hélio. Confesso ter gostado de toda aquela turbulência: depois de uma supernova, é difícil encontrar um lugar assim tão carregado de energia.

Contam por aí histórias de átomos de Carbono em outras estrelas, que não nasceram como eu, das fusões nucleares em supernovas (quando a estrela explode e espalha todo seu material pelo espaço), mas das que ocorrem no interior estelar – afinal, onde mais poderia ser?

Esses átomos não têm o meu privilégio. Dizem as más línguas que, para os Carbonos provenientes do interior estelar, alcançar um planeta requer percorrer um caminho tortuoso: para saírem das profundezas do interior da estrela em que nasceram, os átomos de Carbono precisaram esperar por uma célula convectiva passar e com ela pegarem carona até a superfície estelar. Dos que chegam lá, só alguns têm a sorte de serem ejetados da atmosfera da estrela e, depois de um tempo viajando no meio interestelar, acabar em um planeta qualquer.

Respeito as dificuldades pelas quais passaram, mas não tiveram que suportar as altas temperaturas pelas quais passei na supernova. Na verdade, depois de ter sido espalhado no meio interestelar, ficar naquele gás foi um tédio. Comparado ao ambiente em que nasci, interagia muito pouco com os outros. Ao menos pude entrar em contato com átomos diversos, inclusive os de elementos mais pesados que o Ferro, que só nascem das supernovas.

Depois de um bom tempo vagando pelo espaço, umas bolotas enormes de gás começaram a se condensar naquela nuvem de gás que restou da supernova, e as coisas ficaram mais interessantes. Foi quando surgiu uma estrela, querendo brilhar mais do que todos os outros corpos dali e ser o centro das atenções. Veja a ironia do destino: da explosão que matou uma estrela em um lugar nasceu outra em um sítio diferente, que hospedaria o sistema planetário que passei a habitar. As bolotas, que então atinei serem planetas, começaram uma ciranda em torno da estrela, que hoje recebe o nome de Sol. Não imaginava o que estava por vir.

Fui atraído por um desses planetas. Agradeço muito à gravidade da Terra: não fosse ela, ainda estaria vagando pelo meio interestelar ou teria acabado em algum lugar ermo – já pensou passar a vida toda em Marte ou em um asteróide? Na Terra sou muito importante, talvez mais do que qualquer Carbono em outro lugar do Universo. Tenho orgulho das funções que desempenho – e não são poucas, passaria outros bilhões de anos falando sobre todas elas. Ser a base da vida é a que mais me dá orgulho.

Fiz parte de vários organismos, dos mais simples ao mais complexo, do unicelular ao animal. Perdi a noção do número de seres vivos dos quais já fiz parte; já estive em todos os agentes da cadeia alimentar. Fui petróleo, carvão, plástico, látex. Até nas rochas de montanhas já estive. Ajudei a marcar o tempo de objetos muito antigos. Já fui herói, hoje alguns me têm como vilão. Ah!, se eu pudesse escrever um livro sobre mim… é verdade, até em livros e papéis já estive!

Tem Carbono que se gaba de ter assumido postos mais valiosos do que o meu, como os que já passaram por diamantes. Eu não me importo com isso, pois diamantes podem existir em qualquer lugar mas fazer parte de um ser vivo, até onde sei, só é possível na Terra.

Tenho satisfação do papel que desempenho neste planeta. Passei bons momentos e não me arrependo de nenhum elétron que tenha compartilhado com os outros. Apesar de toda essa responsabilidade, passaria uma eternidade fundamentando a vida, aqui ou em qualquer outro lugar do Universo.

Outros mapas da Galáxia

maio 11, 2009

Com o intuito de complementar o post anterior sobre uma das tentativas de fazer um mapa da nossa Galáxia, resolvi mostrar um mapa feito pela NASA em várias faixas do espectro eletromagnético. Resumindo: Seria como ver a Galáxia com óculos especiais que mostrariam apenas raios-X, microondas, infravermelho e etc. Alguém se lembra daquele famoso produto dos anos 90, o amber vision, que prometia atenuar os efeitos da luz para quem dirigia a noite, ou para quem ia à praia? Não, não é para tirar o par de óculos Ray-Ban do seu pai da gaveta e olhar para o céu, mas pense que os instrumentos aqui na Terra (e alguns no espaço) utilizam algo análogo aos filtros utilizados nos ditos óculos para “ver” em diferentes comprimentos de onda. Bom, valeu o flashback. Funciona mais ou menos assim: Você aponta para o céu com um detector específico para cada faixa de radiação e mede a intensidade em função da posição. Depois disso, associa a cada intensidade uma cor diferente, e pronto! Veja a figura abaixo. (ou clique aqui para ver em alta resolução)

multiwave

Novamente: os princípios físicos envolvidos já eram conhecidos há muito tempo, mas dependiam de inovações tecnológicas para que a construção de instrumentos de medição se tornasse possível. Cada uma das figuras representa o perfil da nossa galáxia visto da Terra em uma determinada faixa de comprimento das ondas eletromagnéticas (ainda estamos devendo um post sobre espectroscopia, radiação de corpo negro e etc.). Todas elas são muito interessantes, mas vou falar apenas de algumas para o post não ficar muito longo. Para uma referência (bem mais) completa (e específica) sobre o assunto, clique aqui.

Vale lembrar que a energia transportada pelas ondas de rádio é menor do que a transportada pelas ondas em infra-vermelho, que é menor do que a dos raios-X e etc. Então, contando de cima para baixo:

1- Ondas de rádio: Sim, são aquelas ondas captadas pelo velho radinho de pilha utilizado todas as manhãs pelo meu pai nos anos 80 para ouvir o “Show da manhã” da Joven Pan (na verdade o rádio AM trabalha em uma faixa de frequências aproximadamente 100 vezes menor do que essa). Nessa faixa de frequências, grande parte da radiação provém de espalhamento de elétrons no plasma interestelar. Agora, em português: Em um meio muito quente composto de gás ionizado (plasma), existem colisões entre partículas (elétrons) que, como resultado, emitem fótons (radiação) que são detectados.

7- Infra-vermelho: Esse tipo de radiação foi descoberta por William Herschel (o mesmo do post anterior). Ela é invisível para nós e está associada ao calor. É a radiação por trás de câmeras de visão noturna e mapas de temperatura corporal. Já no mapa da galáxia, a emissão em infra-vermelho é proveniente de estrelas “frias” (com temperaturas superficiais por volta de 4000oC) com massas da ordem da massa do Sol. Sua localização permite distinguir bem o perfil da nossa Galáxia, com um disco bem definido e uma região central aproximadamente esférica.

8- Optico: Essa é a faixa na qual nossos olhos foram adaptados a enxergar, que coincide com o pico de emissão do Sol (aguardem um post sobre este assunto). Foi uma imagem desse tipo (porém com qualidade muito, muito, muito pior) que William Herschel utilizou para mapear nossa galáxia. Note que a parte central, bem como a região do disco, é bem escurecida em relação à imagem no infra-vermelho, culpa da poeira interestelar. O pouco de luz que se vê provém de estrelas próximas ao Sol, e o efeito esfumaçado visto por toda a imagem é causado por gases quentes e de baixa densidade.

9- Raios-X: Se alguém achou que eu ia falar da Visão de Raio-X do Super-Homem, errou. Os raios-X, hoje em dia, são amplamente utilizados para tratamento de tumores, câncer e para realizar radiografias, além de suas aplicações em astrofísica. Na figura, a emissão de radiação é feita por gases quentes. Em energias mais baixas, o gás interestelar (que preenche o meio entre as estrelas) bem mais frio absorve essa radiação, e por isso as nuvens de gás são vistas como sombras frente ao fundo de emissão em raios-X. Vejam um ponto bem brilhante do lado direito da imagem que, por exemplo, não aparece no óptico nem no infra-vermelho. É um remanescente de supernova.

E, para terminar, encontrei no site do Chandra X-ray Observatory, imagens da Nebulosa do Caranguejo nas quatro faixas de comprimento de onda explicadas acima. Podem acreditar, todas representam o mesmo objeto!

crab