Archive for the ‘Política e Ciência’ Category

Bancos de dados sobre fenômenos sociais

julho 3, 2011

Aliando alguns conceitos estabelecidos a métodos estatísticos, podemos encontrar padrões muito interessantes de comportamento na sociedade. Tudo bem que não é uma tarefa tão simples quanto parece, pois requer uma carga de leitura pesada de textos com uma linguagem própria de quem lida com sociologia. Mesmo assim, não é impossível para quem tem acesso a um punhado de recursos, entre eles textos, bancos de dados e programas.

Todo esse blablablá introdutório é para falar de um trabalho em grupo feito em uma disciplina sobre métodos de pesquisa em ciências sociais. Escolhemos racismo como tema a ser estudado. Uma das perguntas que surgiu em nessa tarefa da faculdade foi a seguinte: como será que varia a percepção de discriminação entre pessoas de cores diferentes? Será que as diversas etnias – brancos, indígenas, orientais, negros etc. – sentem que são discriminados na mesma proporção? Na realidade, nossa proposta foi estudar como a percepção de discriminação varia com a escolaridade – quem nunca estudou deveria sentir menos a discriminação pela sua cor do que quem tem ensino médio, por exemplo -, mas nossos resultados foram inconclusivos. Por isso seguimos pesquisando por outro caminho.

Para respondermos essa pergunta, usamos um banco de dados chamado “Discriminação racial e preconceito de cor no Brasil ”. Esse banco contém perguntas e respostas de 5003 pessoas de diversas etnias, residentes em 267 brasileiras. Ele pode ser baixado no site do Consórcio de Informações Sociais. Para manipulá-lo, é recomendável a instalação do programa Statistical Package for the Social Sciences da IBM, disponibilizado em versão trial. Com alguns cliques, o programa lhe dá frequências e resultados de cruzamentos das perguntas respondidas que lhe interessar. E há vários bancos de dados para se “brincar” com esse programa.

Escolhemos então duas questões presentes na entrevista para tentar resolver o problema proposto. Supomos que seja possível dizer se a pessoa percebe já ter passado por situações de discriminação pela resposta dada à pergunta “o/a sr/a. já se sentiu discriminado/a alguma vez por causa da sua cor ou raça?” As respostas possíveis foram i) sempre, ii) quase sempre, iii) de vez em quando, iv) isso aconteceu só uma ou duas vezes, v) outras frequências, vi) nunca se sentiu discriminado/a.

Perceba que buscamos descobrir a percepção quanto à discriminação sofrida – o que é muito subjetivo – já que é difícil acessar a informação sobre se a pessoa sofreu ou não algum tipo de discriminação. Mesmo diante de tal subjetividade é possível chegar a conclusões interessantes. A segunda pergunta diz respeito à cor ou raça do entrevistado. Vale também observar que o conceito de raça biológica, embora seja rejeitado no meio científico, ainda reside no imaginário da população, o que justifica a pergunta não se limitar apenas à cor do entrevistado.

Quando fragmentamos em cores e raças as respostas positivas de quem já sofreu discriminação pelo menos uma vez, obtivemos o a tabela e o gráfico abaixo.

O que se pode inferir é que quanto mais escura a pessoa maior é sua percepção de discriminação por cor ou etnia.

Embora seja uma tendência óbvia para alguns, há ainda alguns que insistem em negar as evidências de que há segregação racial no Brasil mesmo que de forma dissimulada. Nelson Rodrigues já dizia que “não caçamos pretos, no meio da rua, a pauladas, como nos Estados Unidos. Mas fazemos o que talvez seja pior. A vida do preto brasileiro é toda tecida de humilhações. Nós tratamos com uma cordialidade que é o disfarce pusilânime de um desprezo que fermenta em nós, dia e noite” . Provavelmente ele não rodou um programa nem criou gráficos, o que não o impediu de chegar à mesma conclusão a partir de sua experiência de vida.

O interessante dessa história toda é que esses bancos de dados – não apenas o sobre racismo no Brasil, mas também sobre direitos humanos, idosos, juventude, mulheres etc. – consistem em diversos recursos para colocarmos em números vários tipo de fenômenos sociais, o que nos ajuda a desmistificar conceitos, preconceitos e (por que não?) às vezes até criar muitos outros.

PS.: Depois de alguns posts antigos e polêmicos (embora haja assuntos mais polêmicos do que aqueles), volto a falar aqui sobre ciências. Aos dois ou três que acompanham o blog e acham que ciências humanas não são ciências, sinto muito pela discordância e por decepcioná-los mais uma vez.

Alan Turing: questão de sexualidade

setembro 18, 2009

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No último dia 10 o governo britânico pediu desculpas pela forma violadora como tratou o cientista inglês Alan Turing na década de 1950 responsabilizando-o por sua sexualidade.

Alan Mathison Turing (1912-1954) deu contribuições a diversas áreas do conhecimento científico, como matemática, lógica, ciência da computação e química. Apesar de ser mais lembrado na Inglaterra do que em outros países, não é exagero dizer que todo o mundo é influenciado pela produção científica de Turing. Para citar apenas parte de seu legado, foi ele quem fundamentou a ideia de computador enquanto máquina de resolver problemas matemáticos, decifrou a máquina criptográfica alemã Enigma, utilizada na Segunda Guerra Mundial (colaborando assim com a reviravolta dos Aliados e sua vitória), ajudou a construir o conceito de algoritmo e fomentou o debate sobre inteligência artificial.

Por ser homossexual, foi condenado pela legislação da época, sob a qual foi considerado doente mental e criminoso. Foi afastado dos projetos secretos do quais participava por ser encarado como um risco à segurança do país. Para não ser preso, submeteu-se em 1952 a um tratamento com hormônios femininos como forma de se curar do que na época era encarado como distúrbio mental. Aos 41 anos foi encontrado morto; acredita-se ter sido vítima de suicídio, embora sua mãe tenha duvidado da versão oficial de sua morte. O pedido de desculpas do governo britânico, comunicado pelo premiê Gordon Brown, foi reflexo de uma petição on-line que visava resgatar o assunto e chamar a atenção para a falta de financiamento ao museu do cientista.

Apesar de a ação discriminatória e homofóbica do Estado inglês contra Alan Turing não ser mais aceita como foi naquela época (desde 1973 a homossexualidade deixou de ser considerada doença pela Associação Americana de Psiquiatria) não é raro ainda presenciarmos discriminação a colegas (não só) no meio acadêmico, embora de forma não institucionalizada, por conta de sua orientação sexual. Sofrem tratamento diferenciado, desde piadas “inocentes” a maus tratos, por terem uma identidade sexual que não corresponde à exigência social.

Muitas vezes essa discriminação passa desapercebida: a “naturalidade” com que é encarado esse tipo de distinção, visto como espontâneo frente ao “desvio comportamental” associado à homossexualidade (como se existisse um modo normal de se agir, que devesse ser imputado a todo e qualquer indivíduo), é mais do que herança do pensamento que permeava o contexto em que Turing (e não só ele) teve sua dignidade violada. A heteronormatividade é mais uma das máscaras com que se veste a não aceitação do que é diferente. Ou uma homofobia dissimulada se comparada ao que era há 50 anos, porém não menos opressora.

Para insipirar a reflexão, uma bela obra de arte audiovisual (indicada, assim como o tema deste post, pelo Alessandro).

O Sete de Setembro e a Astronomia

setembro 7, 2009
Bandeira do Brasil

Bandeira do Brasil

Como hoje é sete de setembro e, portanto, aniversário da Independência do Brasil, não há melhor momento para se discutir a respeito das estrelas presentes na Bandeira Nacional.

A Bandeira do Brasil foi adotada pelo decreto número 4 de 19 de novembro de 1889. Este decreto foi preparado por Benjamin Constant, membro do Governo Provisório e seguidor das ideias progressistas de Augusto Comte. Foi Benjamin Constant quem sugeriu a expressão progressista “Ordem e Progresso” que ainda hoje está presente na bandeira brasileira.

Diferentemente do que se ensina por aí, as cores de nossa bandeira não representam nossas matas (o verde), nossas riquezas (o amarelo) e por aí em diante. Na verdade, elas representam as famílias às quais nossa monarquia estava ligada. O verde está associado à casa real de Bragança, da qual fazia parte o imperador D. Pedro I, e o amarelo à casa real dos Habsburgos, à qual pertencia a imperatriz D. Leopoldina.

O círculo azul central corresponde a uma representação da esfera celeste, inclinada segundo a latitude da cidade do Rio de Janeiro às 12 horas siderais (8 horas e 30 minutos) do dia 15 de novembro de 1889. Ou seja, é uma representação de como estaria o céu no dia e horário em que fora proclamada a República. Note que a proclamação ocorreu durante o dia e o céu lá estampado é uma representação sem a luz intensa do Sol. De fato, mesmo durante o dia as estrelas estão no céu, só não as vemos devido à intensa luz solar, ajudada pela atmosfera que espalha essa luz (tornando o céu azulado).

A faixa branca por si só não representa nada. Alguns argumentam que seja a eclíptica ou o equador celeste, mas nada mais é do que uma simples faixa cuja finalidade é exibir o lema positivista.

Sabendo que se trata de uma representação do céu, as estrelas representam algo? A resposta é sim!

Cada estrela representa um estado da Federação. Na figura abaixo há uma indicação bem clara de quem é quem. Note que a estrela acima da faixa branca não é o Distrito Federal, como supõem alguns. Na verdade a estrela acima da faixa branca é o que hoje conhecemos como Estado do Pará. Na época em que a bandeira foi apresentada existia a província do Grão-Pará, que estava prosperando bastante, trazendo fortuna para a Nação. Representa, portanto, uma estrela ao norte!

O artifício de se colocar elementos celestiais em bandeiras nacionais não é privilégio brasileiro. Na bandeira dos Estados Unidos são cinquenta estrelas dispostas de forma sequencial, onde cada uma também representa um estado da federação. Na bandeira chilena há uma estrela. Nas bandeiras argentina e uruguaia há o Sol. Nas bandeiras australiana e neozelandesa há o Cruzeiro do Sul. E assim por diante.

Carl Sagan comenta este fato em seu famoso livro Cosmos. A presença destes elementos celestiais simboliza a eternidade dos céus presentes na pátria de quem criou a bandeira. Como poder atemporal, os céus sempre foram utilizados como símbolos de poder de povos, reis e nações. E mesmo nos dias atuais, a coisa não é diferente.

Estrelas na Bandeira Nacional

Estrelas na Bandeira Nacional

Projeto Apoio

abril 15, 2009

A idéia surgiu de uma discussão no fórum da SAB (Sociedade Astronômica Brasileira). A SAB é uma sociedade científica sem fins lucrativos com sede na cidade de São Paulo, que tem como uma de suas principais finalidades congregar os astrônomos do Brasil.

O fórum em questão é um mailing list que circula entre os membros e trata de assuntos relevantes à Política Científica no Brasil e seus desdobramentos na Astronomia, bem como demais assuntos relacionados de alguma forma ao seu campo de atuação.

No ano de 2007 a UNESCO declarou 2009 como Ano Internacional da Astronomia e diversas atividades estão em curso ao redor do mundo desde então. Aqui no Brasil não é diferente, ainda mais porque teremos, em agosto, a Assembléia Geral da União Astronômica Internacional, que ocorrerá no Rio de Janeiro.

Foi instituido pela organização local do evento um Balcão de Palestras que, segundo o próprio site do evento:

“A proposta do Balcão de Palestras é facilitar o encontro entre conferencista e instituições, centros de ciências, escolas, etc. O conferencista anuncia sua oferta de palestra e as instituições interessadas entram em contato com ele para acertar detalhes de data, transporte, estadia etc. A coordenação do Ano Internacional da Astronomia apenas faz a divulgação de palestras disponíveis não tendo portanto qualquer responsabilidade sobre o acordo palestrante/instituição. As informações aqui divulgadas são de responsabilidade do conferencista.”

Sem dúvida uma excelente iniciativa. A discussão teve início quando um palestrante foi convidado a dar uma palestra em uma cidade do interior. Porém, a escola não possuia meios de custear a viagem do mesmo. Então a organização do Banco de Palestras foi questionada se não seria possível pagar despesas para palestrantes fora de sua cidade de residência. E a resposta foi não. Concluindo: A palestra não foi dada, o conhecimento não foi difundido, muitos perderam com isso por causa de meio tanque de gasolina (ou menos).

Logo em seguida outro participante perguntou se era justo deixar de levar o conhecimento à pessoas carentes simplesmente porque alguém (tanto o palestrante quanto a organização ou mesmo as agências de fomento) não estava disposto a pagar a gasolina (ou não havia previsto este tipo de gasto), levando em conta o fato de que o suporte financeiro dos bolsistas durante toda a pós-graduação, pós-doutorado e eventualmente depois em sua carreira como pesquisadores, é dado pela CAPES, CNPq e FAP’s, ou seja, vem também da população. Foi dita uma frase que gostaria de reproduzir aqui:

“Não se trata de caridade. Trata-se de devolução”

Não cabe a mim julgar as pessoas nem as instituições envolvidas. Todos possuem seu ponto de vista e têm pleno direito de falar o que pensam. Eu só queria colocar o problema claramente para tentar propor uma pequena e modesta solução:

Seria um sistema de ajuda mútua. Aqueles que eventualmente possuem condição de pagar podem ajudar àqueles que não têm condição a terem o mesmo acesso ao conhecimento. Como? As palestras poderiam ser oferecidas, por exemplo, em escolas próximas a residência dos palestrantes, ao custo de 1 real por estudante. MAS, só paga quem puder e quem quiser. Assim, não existe custo de transporte do palestrante e algum dinheiro é arrecadado. Quanto? Não sei. Imagine uma escola com as 3 séries do ensino médio, 2 classes por série, 30 alunos por classe, 10 dispostos a pagar 1 real. Em seguida, o palestrante pode utilizar o dinheiro recolhido para ajudar no seu deslocamento para localidades mais distantes.

Não é caridade, ninguém é obrigado a pagar. Mas os palestrantes deveriam ser encorajados a divulgar a ação no local onde irão realizar a palestra, e enfatizar que o dinheiro arrecadado vai ajudar mais e mais pessoas a terem o acesso à palestra. Duvido que muitos dos estudantes que tenham condição não queiram ajudar.

Sei que a palavra “pedir dinheiro” (mesmo que este não seja exatamente o caso) já deve ter dado arrepios, gerado descontentamento e até irritação em alguns. SEMPRE que dinheiro entra na situação as pessoas tendem a “burrocratizar” (sim, com rr) todo o sistema, fazendo com que o mesmo colapse antes de começar. Não é necessário nota fiscal, prestação de contas, formulários nem nada. Minha expectativa (talvez ingênua) seria a de que o sistema se baseasse na confiança de que aquele que coletar o dinheiro vai utilizá-lo como deve. Pode não ser a melhor idéia do mundo, mas é um começo.

É sim um sistema de apoio, onde uns dependem de outros para que tudo não desabe. E o papel das pessoas que hoje possuem o conhecimento (e a capacidade de disseminá-lo) é ajudar no “transporte” desse apoio.

Talvez os pesquisadores possam carregar consigo algo além do conhecimento.