
Será possível um ser humano ser mais potente que nosso astro-rei?
Aconteceu na semana passada o curso “Física Interessante”, promovido pela Comissão de Cultura e Extensão do Instituto de Física da USP. Otaviano Helene foi o professor responsável pelas aulas.
O curso tem sido oferecido frequentemente nos últimos anos. Ele é voltado a um público de educadores de ensinos fundamental e médio de formações distintas – não necessariamente físicos, mas também biólogos, químicos etc.
A proposta do curso é a de apresentar aspectos da Física de nosso cotidiano. Para tanto, o professor utiliza de alguns conceitos da Física Básica (aquela do ensino médio) e uma série de aproximações e hipóteses físicas pertinentes para tratar de assuntos como tsunamis, olho humano, estrutura da matéria (por exemplo, quanto se deve misturar o durepoxi para fazer uma massa homogênea?), energia consumida pelo corpo humano e seu resfriamento, entre outros.
Em alguns pontos do curso, o professor se sentiu à vontade de apresentar alguns conceitos de cálculo diferencial e integral (o que, salvo raras exceções, não é conteúdo de ensino médio) para tratar de problemas um pouco mais elaborados, como a formação de ondas do mar, fazendo com que alguns dos alunos que não tiveram esse conteúdo na faculdade ficassem “boiando” por um tempo e exercitando sua fé no que o professor nos apresentava. Apesar disso, os temas foram, de forma geral, apresentados em um formato mais atraente do que em uma aula média de Física em uma escola comum.
Um assunto que me chamou a atenção diz respeito à energia produzida por um ser humano com relação a sua própria massa e comparada ao Sol (aqui se manifesta mais uma vez a veia astrônoma do Café com Ciência).
Imagine que uma pessoa tenha uma alimentação diária que lhe forneça em média 2200 kcal – o que é razoável – para, em uma primeira aproximação, manter o corpo funcionando ou, basicamente, à uma temperatura constante e conveniente para seu funcionamento. Como 1 kcal equivale a aproximadamente (~) 4 J, então o corpo humano converte ~10 milhões de joules (107 J) de energia química, fornecida pela comida, em energia térmica por dia (ou 24 h x 60 min x 60 s = 86400 s).
Lembrando que a potência é igual a energia consumida por segundo, então a potência do corpo humano é igual a 107 J / 86400 s ou ~100 W). Se essa pessoa que consome 2200 kcal diárias pesar cerca de 100 kg, sua potência por massa deve ser de ~1 W/kg.
Para comparar esse valor com o do Sol, vamos dividir o valor da luminosidade (energia irradiada na superfície) solar, 4×1026 W, por sua massa, 2×1030 kg. A potência por massa do Sol é, portanto, 0,0002 W/kg.
Ou seja, a potência por massa do Sol é vinte mil vezes MENOR que a de um ser humano!
Essa comparação que vai contra o (meu) senso comum (afinal, como um ser humano pode produzir mais energia que uma estrela? Estudei estrelas todos esses anos acreditando em todo seu poder! Como pude ser tão inocente!?) só é razoável porque a maior parte da massa do Sol não contribui para sua produção de energia: apenas uma parte dos átomos de hidrogênio, presente em seu núcleo, participa das reações nucleares que produzem a energia liberada pelo Sol em forma de radiação. É essa massa “inerte”, que não produz energia, que de certa forma “dilui” a potência por massa solar; se levássemos em conta apenas o núcleo solar, sua potência por massa seria de aproximadamente ~108 W/kg!
E se pensarmos em potência absoluta, sem dividi-la pela massa, obviamente o Sol ainda é mais potente que o corpo humano (ufa!).
O material do curso foi disponibilizado pelo professor Otaviano aqui.