Crônica de um Carbono ancião

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carbonPode não acreditar, mas bem me lembro do ambiente em que nasci, há bilhões de anos. Era um empurra-empurra danado. Naquela ocasião, quando me dei conta de que era um átomo de Carbono, vi vários primos nascerem das trombadas de núcleos de Hélio. Confesso ter gostado de toda aquela turbulência: depois de uma supernova, é difícil encontrar um lugar assim tão carregado de energia.

Contam por aí histórias de átomos de Carbono em outras estrelas, que não nasceram como eu, das fusões nucleares em supernovas (quando a estrela explode e espalha todo seu material pelo espaço), mas das que ocorrem no interior estelar – afinal, onde mais poderia ser?

Esses átomos não têm o meu privilégio. Dizem as más línguas que, para os Carbonos provenientes do interior estelar, alcançar um planeta requer percorrer um caminho tortuoso: para saírem das profundezas do interior da estrela em que nasceram, os átomos de Carbono precisaram esperar por uma célula convectiva passar e com ela pegarem carona até a superfície estelar. Dos que chegam lá, só alguns têm a sorte de serem ejetados da atmosfera da estrela e, depois de um tempo viajando no meio interestelar, acabar em um planeta qualquer.

Respeito as dificuldades pelas quais passaram, mas não tiveram que suportar as altas temperaturas pelas quais passei na supernova. Na verdade, depois de ter sido espalhado no meio interestelar, ficar naquele gás foi um tédio. Comparado ao ambiente em que nasci, interagia muito pouco com os outros. Ao menos pude entrar em contato com átomos diversos, inclusive os de elementos mais pesados que o Ferro, que só nascem das supernovas.

Depois de um bom tempo vagando pelo espaço, umas bolotas enormes de gás começaram a se condensar naquela nuvem de gás que restou da supernova, e as coisas ficaram mais interessantes. Foi quando surgiu uma estrela, querendo brilhar mais do que todos os outros corpos dali e ser o centro das atenções. Veja a ironia do destino: da explosão que matou uma estrela em um lugar nasceu outra em um sítio diferente, que hospedaria o sistema planetário que passei a habitar. As bolotas, que então atinei serem planetas, começaram uma ciranda em torno da estrela, que hoje recebe o nome de Sol. Não imaginava o que estava por vir.

Fui atraído por um desses planetas. Agradeço muito à gravidade da Terra: não fosse ela, ainda estaria vagando pelo meio interestelar ou teria acabado em algum lugar ermo – já pensou passar a vida toda em Marte ou em um asteróide? Na Terra sou muito importante, talvez mais do que qualquer Carbono em outro lugar do Universo. Tenho orgulho das funções que desempenho – e não são poucas, passaria outros bilhões de anos falando sobre todas elas. Ser a base da vida é a que mais me dá orgulho.

Fiz parte de vários organismos, dos mais simples ao mais complexo, do unicelular ao animal. Perdi a noção do número de seres vivos dos quais já fiz parte; já estive em todos os agentes da cadeia alimentar. Fui petróleo, carvão, plástico, látex. Até nas rochas de montanhas já estive. Ajudei a marcar o tempo de objetos muito antigos. Já fui herói, hoje alguns me têm como vilão. Ah!, se eu pudesse escrever um livro sobre mim… é verdade, até em livros e papéis já estive!

Tem Carbono que se gaba de ter assumido postos mais valiosos do que o meu, como os que já passaram por diamantes. Eu não me importo com isso, pois diamantes podem existir em qualquer lugar mas fazer parte de um ser vivo, até onde sei, só é possível na Terra.

Tenho satisfação do papel que desempenho neste planeta. Passei bons momentos e não me arrependo de nenhum elétron que tenha compartilhado com os outros. Apesar de toda essa responsabilidade, passaria uma eternidade fundamentando a vida, aqui ou em qualquer outro lugar do Universo.

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19 Respostas to “Crônica de um Carbono ancião”

  1. Vinicius Placco Says:

    Absolutamente fantástico. Parabéns. Meu favorito até agora.

  2. Tiago Ricci (Alf) Says:

    Mto bom Zé, meus parabens.

  3. Thiago Junqueira Says:

    Sensacional!! Muito bom mesmo. Deveria ser publicado em algum jornal, ficou excelente zé!!

  4. Silvian Rossi Says:

    Oi Ti,
    Ficou fantático! Maravilhoso! Voce se superou! Parabéns!

  5. Carol Sborja Says:

    Parabéns,

    Muito bom. Bem didático, descontraído e divertido.
    Merece uma publicação a altura.
    Esse é o caminho.

  6. Jana Says:

    Ai meu, vcs estão demais! Parabéns pelo texto, tá tão lindo! Já virei fã…

  7. Marcellus Says:

    Fantástico!!!
    Parabéns, realmente muito bom. Semana passada, assisti ao programa Maravilhas Modernas, do Histiry Channel, com um especial chamado “Carbono”, também muito bom.

    • tiagozecolmeia Says:

      Marcellus,
      Fico feliz que vc e o pessoal tenham gostado do texto.
      Estou à procura desse especial do History Channel, obrigado pela dica.

  8. Rafael Santucci Says:

    Uau! Incrível mesmo! Saiba que todo suor empregado nas palavras não foi em vão. De fato, o texto flui fantasticamente bem, extremamente agradável.
    Parabéns! Sensacional!

  9. Curiosidades « fu2re Says:

    […] de compostos de carbono, eu não sabia. E por falar em carbono, no Café com Ciência tem uma Crônica sobre um Carbono Ancião que é muito interessante. O carbono faz parte dos seres vivos, eu já disse, mas eu não sabia que […]

  10. Meus Livros « fu2re Says:

    […] Belmiro Wolski. Outro texto pertinente e que eu achei muito interessante e me faz lembrar do texto Crônica de um Carbono ancião, escrito por Tiago Almeida, no blog Café com […]

  11. NOEMI NÁDIA FIGUR Says:

    Sou professora de química no município de Iracema no estado de Roraima, estou sempre procurando textos que possam auxiliar a leitura e despertar a curiosidade e o interesse dos meus alunos pela ciência. O texto é muito bom, vou aplicar em sala de aula.
    Parabéns pelo espaço!
    Noemi

    • Tiago Almeida Says:

      Olá, Noemi.
      Fico feliz por ter gostado. Espero que ajude a despertar algum interesse em seus alunos.
      Sorte para você e para os educadores de Roraima. Um abraço

  12. Mestre em Ciências – Área: Astronomia « Café com Ciência Says:

    […] em vista o título da dissertação, podemos ver que as histórias do carbono e das covas de Adão e Eva foram escritas por quem entende do […]

  13. Pobreza que vale ouro « Café com Ciência Says:

    […] disso, outra característica interessante dessas duas estrelas é a enorme quantidade de carbono presente em suas atmosferas (até 10.000 maior do que o valor para o Sol). Resta saber se esse […]

  14. Tempo « fu2re Says:

    […] Então temos átomos vivendo milhões de anos, apesar de meia-vida ser diferente de vida média. A vida média é a média aritmética do tempo de vida de todos os átomos de uma determinada massa deste isótopo. Então, a meia-vida do carbono-14 é de aproximadamente 5.730 anos enquanto a sua vida-média é de aproximadamente 8.200 anos. Como vive esse carbono. Por falar nisso tem uma história interessante sobre o carbono: Crônica de um Carbono Ancião. […]

  15. A história (ou uma outra crônica) de um Átomo « Café com Ciência Says:

    […] ano passado foi publicado aqui no C³ um texto neste blog intitulado Crônicas de um carbono ancião. A ideia do texto é a de contar a história da “vida” de um átomo de carbono desde o início […]

  16. Nelson Góes Says:

    Texto excelente. Muito bom

  17. Felipe Maciel Says:

    Excelente!

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