É incrível ver como a natureza nos fornece ferramentas para que possamos entender seu funcionamento em diversas escalas de espaço e tempo.
Em arqueologia, o carbono 14 (14C) é amplamente utilizado no processo de datação de objetos compostos por alguma fração deste elemento, tais como madeira, sedimentos orgânicos, ossos, conchas marinhas e etc. Porém, devido ao fato de sua meia-vida ser da ordem de 5.700 anos, ele não pode ser utilizado para datar com precisão objetos com mais de ~70.000 anos.
Já em astronomia, onde as escalas de tempo são infinitamente maiores do que esta, existe um processo semelhante chamado cosmo-cronologia, onde é possível estimar a idade de estrelas, da nossa Galáxia e do Universo a partir de estudos de elementos radioativos tais como o tório (232Th) e o urânio (238U).
O decaimento desses elementos (a conversão do átomo em uma versão mais leve e estável) ocorre gradualmente, em velocidade conhecida. A meia-vida do tório é de 14.05 bilhões de anos, enquanto a do urânio é de 4.47 bilhões de anos. Ou seja, uma vez detectado na atmosfera da estrela e tendo sua abundância determinada, pode-se comparar o quanto do material decaiu com o tamanho da amostra original e estimar a idade do objeto.
Claro que este tipo de medida não é trivial, e requer uma série de observações, procedimentos experimentais e modelagem teórica para que se tenha um valor confiável. É um esforço conjunto de áreas como matemática, física nuclear, astronomia, astrofísica e engenharia. Uma das formas de se estimar a abundância de um dado elemento químico em uma estrela é através da síntese espectral. Um espectro, em linhas BEM gerais, é formado pela dispersão da luz vinda do objeto (neste caso a estrela) por um prisma e coletada por um CCD. Cada elemento químico presente na atmosfera da estrela produz “impressões digitais” no espectro e, através delas, torna-se possível medir a abundância. O programa MOOG, por exemplo, é amplamente utilizado em astronomia para síntese espectral e determinação de abundâncias.
(Pequeno parênteses: possivelmente um dos autores do blog publicará, em breve, algo sobre espectroscopia e imageamento com fins astronômicos)
Várias análises já foram feitas com tório, mas, como seu tempo de decaimento é muito grande, as medições ficam pouco precisas. Já o urânio oferece condições melhores, e com ele foi possível medir com mais precisão a idade de uma estrela muito peculiar chamada CS31082-001: 12.6 bilhões de anos, com um erro de 3 bilhões para mais ou para menos. Esta estrela é especial pois, além de exibir tório, urânio e outros elementos raros (por exemplo alguns lantanídeos, actinídeos e metais de transição pesados) em sua composição, ela apresenta uma quantidade muito pequena de metais (tais como ferro, cobalto e níquel), o que sugere que ela foi formada nos primórdios da nossa Galáxia, e quem sabe até mesmo do Universo.
A imagem acima foi retirada deste link. Nela é possível ver uma “foto” desta estrela (identifique o objeto bem no centro da figura).
Trata-se da melhor estimativa direta já obtida da idade da Via Láctea, levando em conta que esta estrela faz parte dela. Embora a margem de erro seja grande, é interessante notar que diversas estimativas anteriores, feitas tanto com o decaimento do tório quanto por análise da expansão do Universo, levavam a números que variam de 10 a 18 bilhões de anos. Os cientistas esperam melhorar essas estimativas utilizando modelos físicos e observações mais sofisticadas num futuro não muito distante.
Para quem tiver interesse, este artigo trata das primeiras medidas da razão Th/U em na estrela que citei acima e suas implicações na determinação da idade da nossa Galáxia. É um artigo em inglês e requer conhecimentos da área para melhor compreensão. Mesmo assim, vale a pena dar uma olhada!
abril 27, 2009 às 10:13 |
Parabéns pela iniciativa!!!
Já divulguei o blog para os meus amigos, afinal é muito bom ter acesso à ciência de forma tão clara e de fácil entendimento.
Bjos e sucesso,
Lú Rossi